quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Matias e Barracão, Barracão e Matias (*)




Matias e Barracão, Barracão e Matias. São histórias que se interpenetram.

Ele, o José Marques de Souza, ex-seringueiro e teatrólogo. O Barracão, espaço de resistência da cultura popular, dos movimentos comunitários oriundos do processo de ocupação dos bairros que hoje constituem a Baixada do Sol, do movimento em prol da preservação de nossa floresta e do modo de vida de nossas populações tradicionais... Todos esses movimentos tiveram o Matias como um de seus partícipes.

Está claro pela minha pouca idade, estampada no meu rosto e ligeiramente disfarçada por essa barba que eu herdei de meu pai, que eu não vivenciei a riqueza dos momentos deste espaço e de todos os processos sócio-culturais que aqui se desencadearam. E eu não pretendo, e nem seria honesto de minha parte, dar a entender o contrário.

Mas não é necessário vivenciar para entender a importância, para compreender a relevância, para reverenciar o passado. E aqui eu abro um parêntese para agradecer à tradição de história oral e de contação de histórias presente na vida dos acreanos, através da qual eu pude experimentar, ora como leitor, ora como ouvinte, ora como expectador, por meio das entrevistas registradas pelo Prof. Carlos Alberto, dos registros de áudio e vídeo do Tonivan e da Cilene Farias, dos recortes de jornais da FETAC e da Fundação Cultural e dos muitos relatos orais a respeito do Barracão, uma pequena fração de tudo que aconteceu aqui. A vocês, historiadores, contadores de história, videastas, meu muito obrigado.

Aqui, no Teatro Barracão, se mesclaram movimento comunitário, sabedoria das populações tradicionais, cultura popular, defesa dos povos da floresta. Aqui se concretizou o que hoje temos denominado de diálogo entre os saberes – a transa entre os conhecimentos tradicionais e acadêmicos, entre o popular e o erudito, entre o cotidiano e o vernacular.

Se fosse nos dias de hoje, o Matias seria chamado de Mestre Griô, uma denominação muito utilizada atualmente no linguajar das políticas públicas de cultura, para reconhecer o saber e o fazer dos grandes artífices da sabedoria popular, do conhecimento inter-geracional, que passa de pai para filho, que se reproduz ao longo das décadas e que não se aprende no banco das escolas.

Matias representa ainda, de certa forma, todo o coletivo de artistas e sujeitos sócio-culturais que empenharam uma grande energia na edificação física e na construção do ethos, da subjetividade desse espaço. E eu não quero cometer injustiças, várias dessas pessoas estão aqui hoje, razão pela qual vou resistir a tentação de citar nomes. Mas foram essas pessoas que se apropriaram desse local, que edificaram suas paredes, que investiram na realização de oficinas, espetáculos, exibição de filmes, concursos de calouros e outras atividades mil que aqui aconteceram. Os R$ 154.551,21 mil reais aqui investidos, sendo R$ 86.104,00 do Governo Federal e R$ 68.447,21 de contrapartida de recursos próprios do tesouro estadual, representam uma homenagem a toda a força empregada por esses ativistas, pessoas que inscreveram o Barracão nas páginas da história da cultura acreana. A todos vocês fica aqui registrado o reconhecimento do Governo do Acre, reconhecimento este que se traduz na singela, mas sincera homenagem, materializada no ato de batizar as salas do Teatro Barracão com o nome de personalidades do teatro acreano.

Ainda motivados por esse mesmo espírito é que, na data de hoje, além de devolver a comunidade um Teatro Barracão reformado, revitalizado e humanizado, em condições dignas de novamente recepcionar a comunidade, anunciamos o lançamento do Prêmio Matias de Cultura Popular, voltado ao reconhecimento de iniciativas que simbolizam essa forte vertente da cultura nacional, cuja importância é cada vez mais reconhecida pelo Poder Público. Serão 100 mil reais para contemplar projetos selecionados mediante edital, modo democrático e republicano de apoio à iniciativas culturais.

Também na data de hoje, inauguramos, com o Teatro Barracão, um novo modelo de gestão na área da cultura do Estado. O espaço está sendo formalmente, legalmente e juridicamente repassado, através de um termo de cessão de uso, à Federação de Teatro Amador do Acre. Juntos, FETAC, FEM e o grupo teatral “De Olho na Coisa”, cada qual com suas responsabilidades claramente definidas e compartilhadas, promoverão a dinamização deste espaço, com a sua manutenção e a realização de atividades diversas, em benefício da comunidade da Baixada do Sol e da cultura do Estado.

Quero, ainda, em nome do Governador Binho Marques e ao tempo em que agradeço a presença de todos vocês, dizer do meu orgulho em poder concluir uma etapa importante de um processo que foi construído a muitas mãos: e aqui é o momento do meu agradecimento a toda a equipe da Fundação Elias Mansour e da antiga Fundação Cultural do Acre, pelo empenho na concretização dessa missão. Das primeiras negociações passando pela celebração do convênio que viabilizou os recursos para essa obra, já se passaram bons anos. E cada um – funcionários, estagiários, gestores – a sua maneira, deu sua contribuição para que pudéssemos estar aqui no dia de hoje.

À comunidade da Baixada do Sol, os meus parabéns, por, na Semana que abriga o Dia Nacional da Cultura, poder receber de volta esse espaço.

Muito obrigado!

(*)Discurso proferido por Daniel Zen, dia 6nov2009, na solenidade de reinauguração do Teatro Barracão, símbolo da resistência cultural do povo acreano.